Publicado no Juicy Santos

São quase 18 horas de sexta-feira.

Na Avenida Ana Costa, o trânsito está lento e a sinfonia de buzinas deixa claro: estão todos com pressa para chegar em seus destinos. Enquanto isso, a pouquíssimos metros dali, na Rua Marechal Deodoro, o ritmo é completamente diferente. Logo começa mais uma edição do Choro de Bolso na Livraria Realejo e o público já se aproxima.

Sentados nas cadeiras ou no parklet logo à frente, em pé na calçada ou folheando um livro lá dentro, todos aguardam o início da tradicional atração. Uma das grandes responsáveis por movimentar uma das poucas livrarias de rua sobreviventes de Santos.

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Era assim que todos os finais de semana começavam por ali. Música, uma cervejinha e bons livros.

E então veio a pandemia da COVID-19 em Santos

Essa parte da história você já conhece. Na segunda-feira, 16 de março de 2020, a Prefeitura de Santos (e também de todas as cidades da região) anunciou as medidas de contingência que seriam necessárias durante os próximos 15 dias.

José Luiz Tahan, livreiro da Realejo, dispensou os funcionários e deu início a uma nova modalidade de trabalho: o livreiro à domicílio.

Enquanto isso, no Super Centro do Boqueirão, Fabrícia Marques, confeiteira responsável pela Choco Cau, correu para descobrir plataformas de delivery com uma porcentagem menor do que os quase 30% do iFood.

Era dada a largada numa corrida que deveria durar duas semanas. Mas que, um ano depois, segue sem prazo para acabar.

Descobrir como sobreviver em meio a uma pandemia

Comerciantes de toda a Baixada Santista passaram pelo mesmo desespero.

Em Praia Grande, por exemplo, o Buffet Dona Neide iria expandir os serviços em 2020. O planejamento mal começou a sair do papel e teve que ser adiado. Mais do que isso, os empreendedores precisavam se reinventar – uma vez que os casamentos e outras festas foram cancelados quase simultaneamente.

Quem explica é Carlos Gustavo Yoda, à frente da cozinha.

“Quando começou a pandemia, a Tábua Caiçara já estava em atividade. Já tínhamos a loja virtual e redes sociais ativas, mas ainda não havíamos conseguido colocar energia para divulgar o novo negócio, devido à demanda do buffet”.

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Com a suspensão das festas, não restou outra alternativa: o serviço de entrega de tábuas de frios se tornou o negócio principal – o único com possibilidade de funcionamento.

Assim como Yoda, Guilherme Brum, um dos sócios do Tasca do Porto, tinha expectativas positivas sobre 2020.

Logo no início de janeiro, o restaurante clássico ganhou um novo endereço – um casarão centenário maior e mais amplo do que o antigo. Alguns clientes nem tiveram a oportunidade de conhecê-lo quando as portas tiveram de ser fechadas.

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Sem delivery até então, a casa teve que estruturar o serviço de entregas do zero. E, ainda assim, Brum conta, as vendas não eram suficientes para manter o negócio funcionando. Assim nasceu o MAMITASCA, distribuição de marmitas que visava tanto combater a fome quanto garantir os empregos de seus funcionários.

“Toda renda arrecadada com a venda das marmitas (R$ 10) era destinada para manutenção de empregos, custo fixo do restaurante e os insumos”, explica o empresário.

De acordo com o IBGE, nem todos os empreendedores brasileiros conseguiram se reinventar a tempo. Ainda em julho de 2020, eram 716 mil negócios fechados em definitivo. Todas estavam com as atividades suspensas devido à pandemia.

Agir para não fechar

Pelo menos 45% dos donos de pequenos negócios de São Paulo afirmam que vão tomar alguma ação para tentar diminuir os prejuízos com a volta à fase vermelha.

Desde o dia 6 de março, todo o Estado está com restrições ainda mais rígidas dentro do Plano São Paulo. Só podem funcionar atividades essenciais.

Entre as ações citadas pelos empreendedores, estão:

  • intensificar a higiene do ambiente de trabalho (50%);
  • reduzir a mão de obra (40%);
  • reduzir o estoque (29%);
  • suspender as atividades (28%)
  • funcionários em home office (28%);
  • demitir os funcionários (27%);
  • intensificar ou implementar entregas (25%).

A pesquisa “Os pequenos negócios e o coronavírus – Fase vermelha”, realizada pelo Sebrae-SP e divulgada nesta semana, ouviu mais de 1.000 donos de micro e pequenas empresas no início de março.

Segundo o mesmo levantamento, 23% deles disse que vai intensificar o volume de vendas pela internet. E 20% alegam não estar preparados para vender online.

“Alguns obstáculos que identificamos há cerca de um ano, no início da pandemia, ainda persistem, como a falta de preparação para vender pela internet. Em vista disso, temos intensificado nossos esforços para levar capacitação aos empreendedores neste novo período de restrições, como o Juntos por Você, uma maratona de lives e cursos voltados para os negócios online”, diz o diretor-superintendente do Sebrae-SP, Wilson Poit.

Ser forte não é uma opção, mas uma obrigação

É assim que Tahan define seu último ano. Sem os eventos, responsáveis por boa parte das vendas, a entrega de livros ajudou. Mas, com o passar dos meses e sem perspectivas de melhora, uma nova ação se fez necessária. Nasceu o Clube Realejo, uma ideia que já fermentava havia alguns anos, mas não tinha perspectiva de acontecer.

“Ainda assim, não vou negar, a possibilidade de fechar a livraria às vezes surge como um medo. Mas nunca penso de maneira concreta”.

O medo de Tahan é unânime entre comerciantes e empreendedores.

Leandro Garcia, responsável pelo Tarantino Café, por exemplo, define o momento como uma grande cilada – já que está sem faturamento e nenhum tipo de suporte. Para ele, o problema não é a fase emergencial, que define como necessária, mas sim a ausência de apoio do poder público.

“Eu entendo de café e de empreendedorismo. Sobre medidas sanitárias, só tenho que ouvir os especialistas. Já temos dados, estudos e gráficos suficientes para saber o que funciona e o que não funciona”.

O que continua uma incógnita é como ele e outros pequenos empreendedores ficarão.

A MP 936 – que permitiu a redução de jornadas e a suspensão temporária de contratos em razão do novo coronavírus – venceu em 31 de dezembro e até o momento não foi prorrogada. O que complica a situação sobre o pagamento da equipe neste período de “fase roxa”.

Para além disso, outra reclamação diz respeito ao pagamento de impostos – prorrogado, mas sem qualquer redução. O que Fabrícia define como “está sendo empurrado com a barriga”. 

O que sobra é a simpatia dos clientes e mais e mais adaptações

O público que ia à Realejo semanalmente passou a chamar o Tahan e garantir seus livros em casa – seja através do delivery ou do clube de assinaturas. Numa adesão que o livreiro define como “muito bonita”, mas poderia ser facilmente descrita como a única saída. Para conseguir esse tipo de apoio, adaptações têm sido feitas em negócios por toda cidade.

A espetaria Rota Santista, por exemplo, implementou o conceito de tudo incluso por um preço único. Inclusive no delivery.

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Já a Choco Cau diminuiu o cardápio e lançou novos tipos de bolos. Além disso, aumentou a presença online.

Yoda, que passou a dedicar 100% de sua atenção à Tábua Caiçara, precisou adaptar o negócio e oferecer opções a partir de duas pessoas e cestas de café da manhã – até então, o foco eram as tábuas para pequenos eventos de, no mínimo, seis pessoas.

Para os próximos meses, todos têm uma série de incertezas e um pedido em comum: a vacinação da população.

Pois, para eles, essa é a única maneira de voltar à rotina. Em Santos, até o momento pouco mais de 16% da população recebeu a imunização contra a COVID-19.

Na fase mais recente, iniciada nesta segunda-feira, idosos a partir de 75 anos podem ir às policlínicas para receberem a primeira dose. Em outras palavras, se o ritmo seguir assim, o desejo dos empreendedores deve demorar para se realizar.

Eles continuarão contando com a apoio de seus clientes e rezando para a conta fechar no fim do mês.

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